Congresso trapaceia no uso do princípio da separação de poderes

26.10.2025

logo-crusoe-new
O Antagonista

Congresso trapaceia no uso do princípio da separação de poderes

avatar
Carlos Graieb
5 minutos de leitura 27.03.2024 14:09 comentários
Análise

Congresso trapaceia no uso do princípio da separação de poderes

Parlamentares recorrem à ideia para dificultar o controle dos gastos partidários e até mesmo para bloquear investigações policiais

avatar
Carlos Graieb
5 minutos de leitura 27.03.2024 14:09 comentários 0
Congresso trapaceia no uso do princípio da separação de poderes
Foto: Adriano Machado/Crusoé

As ideias de harmonia e separação de poderes estão sendo usadas pelo Congresso para tentar conferir aos políticos privilégios indefensáveis.

Há dois projetos com essa característica em trâmite atualmente, um sobre legislação eleitoral e outro para dificultar ações policiais contra deputados e senadores. Se ninguém prestar atenção, eles serão aprovados numa madrugada qualquer, como acontece de tempos em tempos com textos que não sobreviveriam à luz do sol. 

A nova lei eleitoral passou pela Câmara e está pronta para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado desde o último dia 20, quando o senador Marcelo Castro (MDB-PI, foto) apresentou seu relatório sobre o tema. 

Facilidade para quem gasta

Do jeito que está, o projeto desmonta completamente o sistema de controle das contas partidárias instituído, há muito custo, na última década. A primeira modificação diz respeito à natureza da prestação de contas, que de “jurisdicional”, como dizem as resoluções do TSE, passa a ser “administrativa”

Parece bobagem, mas isso torna muito mais flexível para os partidos o processo de apresentação de documentos e justificativas sobre os dispêndios realizados – lembrando que estamos falando, na essência, de alguns bilhões de reais em verbas públicas. 

Ao mesmo tempo, os prazos para análise das contas tornam-se mais restritivos para os técnicos da justiça eleitoral. 

Facilidade para quem gasta o dinheiro, dificuldade para quem fiscaliza. 

Alergia à transparência

Há um outro atentado contra a transparência no projeto. Atualmente, os partidos precisam usar dois sistemas para prestar contas, um da Receita Federal, outro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entre Câmara e Senado, sumiram as menções a ambos.  

O uso do Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA) foi regulamentado em 2019 pelo TSE, para garantir que houvesse padronização nos dados, facilitando a sua consulta pelos técnicos e por qualquer cidadão interessado. O texto que saiu da Câmara em 2021 não faz menção ao SPCA. Sem que exista um padrão para os partidos apresentarem sua papelada, o processo arrisca se tornar caótico.

A contribuição do senador Marcelo Castro foi arrancar do projeto também a obrigatoriedade de uso do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), mantido pela Receita Federal. A disponibilização das informações do SPED à justiça eleitoral aconteceu em 2017 e foi saudada como um grande avanço no controle dos recursos públicos. Mas políticos têm mesmo alergia feroz à transparência. 

E adivinhem qual a justificativa apresentada pelo senador para impedir que o sistema da Receita Federal seja usado? Lá vai: “a medida pode ensejar impugnação por mitigação ao princípio da separação de poderes e da prerrogativa da auto-organização do TSE na administração das eleições”. O discurso da separação dos poderes é utilizado em suposta defesa do TSE, mas para favorecer os partidos políticos. E vejam que curioso: foi o próprio TSE quem firmou parceria com a Receita. A corte não está preocupada com esse tipo de “perda de autonomia”

Tenho de ampliar a frase que escrevi acima. A reforma eleitoral cria facilidade para quem gasta o dinheiro, dificuldade para quem fiscaliza e intransparência para o restante da sociedade. Os políticos querem usar o fundo partidário (mais ou menos 1 bilhão de reais por ano) e o fundo eleitoral (4,9 bilhões de reais em 2024) sem serem importunados.

Blindagem

Para dificultar as ações policiais contra parlamentares, existe na Câmara um projeto de emenda constitucional que ainda não reuniu o número de assinaturas necessário para ser apresentado. Ele nasceu da indignação de alguns deputados – entre eles Arthur Lira, presidente da Casa – com as diligências de busca e apreensão realizadas pela Polícia Federal nos gabinetes dos bolsonaristas Carlos Jordy (PL-RJ) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), no começo deste ano. A proposta condiciona qualquer ação desse tipo a uma autorização prévia das mesas diretoras da Câmara ou do Senado. 

Em nome da separação de poderes e das “garantias dos parlamentares” cria-se na verdade uma blindagem corporativa. Não importa quais sejam os indícios de crime de qua polícia dispõe – e estou falando em termos genéricos, não sobre os casos específicos de Jordy e Ramagem – parlamentares só poderão ser alvo de diligências se seus colegas deixarem. A restrição se aplicaria até mesmo à investigação de crimes comuns, como o assassinato realizado pela ex-deputada federal Flordelis dos Santos. 

No caso da perda de mandato parlamentar, a constituição assegura ao Congresso o direito de ratificar ou não uma sentença expedida pelo Judiciário. Mas isso só acontece depois do final do processo. No caso da PEC que está sendo tramada, os parlamentares querem ter o direito de bloquear uma investigação já nos seus primeiros passos. É demais. 

Os políticos brasileiros usam o princípio da separação de poderes de maneira ardilosa, para se porem a salvo da Justiça e gastarem o dinheiro público como bem lhes convier. Não pode ser assim. 

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Lula cita caso Bolsonaro a Trump e critica Lei Magnitsky, diz secretário

Visualizar notícia
2

“Tive uma ótima reunião com o presidente Trump”, diz Lula

Visualizar notícia
3

Trump se reúne com Lula: “Vamos chegar a um acordo”

Visualizar notícia
4

O avanço do ativismo jurídico trans contra a liberdade de expressão

Visualizar notícia
5

Trump aumenta tarifas sobre Canadá após vídeo com discurso de Reagan

Visualizar notícia
6

Putin testa novo míssil nuclear ‘invencível’

Visualizar notícia
7

Reunião entre Lula e Trump “foi muito positiva”, diz Mauro Vieira

Visualizar notícia
8

Dois suspeitos são presos pelo roubo de joias no Louvre

Visualizar notícia
9

Lindbergh: “Sinceramente, esse Quaquá sobra no PT”

Visualizar notícia
10

China anuncia ‘acordo preliminar’ com os EUA

Visualizar notícia
1

Lula: “Andar de cabeça erguida é mais importante que prêmio Nobel”

Visualizar notícia
2

Após fala de Lula, governo diz "não tolerar" tráfico de drogas

Visualizar notícia
3

Lindbergh: “Sinceramente, esse Quaquá sobra no PT”

Visualizar notícia
4

Lula sincerão: 'Meu traficante, Minha vítima'

Visualizar notícia
5

Lucas Bove apontou arma e arremessou faca contra ex-esposa, diz MP

Visualizar notícia
6

Wilson Pedroso na Crusoé: Uma mulher à frente do Japão

Visualizar notícia
7

Moraes autoriza Mauro Cid a comparecer ao aniversário da avó

Visualizar notícia
8

STJ anula condenação da deputada Lucinha por peculato

Visualizar notícia
9

Kamala sugere retorno à corrida presidencial: “Ainda não acabei”

Visualizar notícia
10

O avanço do ativismo jurídico trans contra a liberdade de expressão

Visualizar notícia
1

Casa Branca: Trump prevê “bons acordos” com Brasil após reunião com Lula

Visualizar notícia
2

9 receitas de forno para o almoço de domingo

Visualizar notícia
3

Navio de guerra dos EUA chega a Trinidad e Tobago 

Visualizar notícia
4

6 penteados inspirados em filmes para o Halloween

Visualizar notícia
5

Hugo Motta celebra reunião entre Lula e Trump

Visualizar notícia
6

Cruz Vermelha atua com Hamas na busca por corpos de reféns

Visualizar notícia
7

6 diferenças entre os gatos das raças savannah e bengal 

Visualizar notícia
8

Putin testa novo míssil nuclear ‘invencível’

Visualizar notícia
9

China anuncia ‘acordo preliminar’ com os EUA

Visualizar notícia
10

Lula cita caso Bolsonaro a Trump e critica Lei Magnitsky, diz secretário

Visualizar notícia

Tags relacionadas

Alexandre Ramagem Carlos Jordy Congresso Nacional fundo partidário gastos eleitorais imunidade parlamentar Justiça Eleitoral Marcelo Castro partidos políticos Senado
< Notícia Anterior

Atlético-MG anuncia a contratação do meia Robert Santos, do Athletico

27.03.2024 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Deputado quer transformar repelente em bem essencial

27.03.2024 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.